A adaptação de The Last of Us para a televisão reacendeu uma discussão antiga: por que esperamos que adaptações sejam cópias fiéis do material original? A série da HBO, baseada no jogo da Naughty Dog, causou incômodo quando começou a se afastar da história original. Mas talvez o descontentamento não esteja nas mudanças em si.
Muita gente defende uma adaptação quadro a quadro, cena por cena. Isso traz conforto. Há algo de seguro e familiar em ver aquilo que já conhecemos ser reproduzido quase como um ritual. Mas será que não estamos esquecendo da experiência original? O jogo The Last of Us nos arrebatou justamente por ser diferente, por nos apresentar personagens, dilemas e caminhos inéditos. Era algo desconhecido.
Por que, então, exigimos que a adaptação seja uma réplica? Como se a única forma de homenagear a obra fosse imitá-la. Seria como negar à nova mídia o direito de criar, experimentar, propor outras abordagens. É como esquecer que outras adaptações igualmente diferentes foram amadas: O Máskara, com Jim Carrey, é completamente distinto das HQs originais. O filme do Scooby-Doo, tosco e cheio de piadas de duplo sentido. Mortal Kombat de 1995, com seus cosplays baratos, é lembrado com carinho até hoje. O estranho pode ser maravilhoso. O desconhecido pode ser divertido.
Às vezes, o problema não é a mudança em si, mas o que ela expõe. Talvez estejamos usando a diferença como desculpa para justificar algo que não sabemos bem por que não gostamos. Por exemplo, o personagem Tommy. Até o episódio fatídico, sua trajetória vinha sendo construída de forma muito diferente da do jogo. Mas só incomodou quando ele tomou uma atitude inesperada. Será que não percebemos que ele já era outro personagem desde o começo? E Joel? Na série, ele é vulnerável, humano, cheio de medos, emoções, inseguranças. Ele chora. Ele faz terapia. Não é o Joel que conhecemos do jogo — é um personagem novo, criado a partir da liberdade criativa que a série propôs.
Talvez não estejamos gostando da série porque achamos ela ruim mesmo — e apenas materializamos isso nas diferenças, no que nos trouxe desconforto. Mas talvez o problema não esteja aí.
Por que exatamente não estamos gostando? O que nos incomoda de verdade? Às vezes, culpamos o que é diferente porque nos tira da zona de conforto. Mas a arte não deveria servir só para nos confortar. Ela também pode provocar, desconstruir, tensionar, abrir caminhos inesperados.
The Last of Us, o jogo, nos emocionou ao nos dar algo novo. Talvez devêssemos permitir que a série fizesse o mesmo. Estranhar é parte essencial de experienciar a arte. E se a série for ruim — pode ser que sim, e tá tudo certo — vamos pensar no porquê. E, claro, experimentar pode trazer erros. Mas não é mais interessante experimentar, buscando criar algo realmente novo, do que apenas replicar algo que já foi feito?